16 janeiro, 2014

Eu, as duas culturas e um segundo olhar

  
Um dia, muito novo, descobri que C.P. Snow pensava em mim, ao falar sobre "As Duas Culturas"... 

Abro o DN e ultrapasso a incerteza do tema. Escolho o artigo de opinião de Vasco Graça Moura - A urgência da literatura - o qual começa por falar de humanidades e depois disserta sobre essa coisa que diz ser urgente, para, a meio, sentenciar: "Hoje temos todos a consciência de que a literatura é um instrumento do conhecimento e corresponde a um meio de funcionamento ao nível da sociedade que vai muito mais longe. Penso que seria essencial que a escola portuguesa, tanto ao nível de docentes como de discentes, tivesse a capacidade de conjugar estas perspectivas com o território, tantas vezes esquecido, das humanidades." Paro aqui e desisto. Desisto não por desinteresse em continuar, mas porque me assaltam outros pensamentos. O primeiro pensamento foi para aquele momento, há muito, em que um amigo me adjectivou como um eclético e que a primeira coisa que fiz, depois de tal ouvir,foi ir a correr, apressado, consultar um dicionário. O pensamento seguinte, foi para a imagem de me ver, a mim próprio, numa bancada na aula de "Trabalhos Manuais" da Escola Industrial Afonso Domingues (a mesma de Saramago, e há pouco destruída) a limar um pedaço de aço, vendo na limalha, pedaços de versos e associá-los ao desperdícios de ferro. Eram desperdícios a que me obrigava a procura da esquadria. Lá se vai o suor de quem na mina esgravatou o minério, lá se vai o esforço na pasada que alimenta o alto forno da siderurgia. Limalha é perda do valor acrescentado, é desperdício de salário. Tudo isto eu ia desmemoriando a propósito das tais esquecidas humanidades de que falava o Vasco. Daí, procurei outros escritos mais urgentes e ricos como instrumentos de construção do futuro a partir de um banco de escola. Não foi difícil encontrar, um é meu (de 2010), outro é do autor das "Duas Culturas" e que, para satisfação minha, lhe acrescenta "um segundo olhar".
Extraio, de lá este bocado:
«Segundo o autor (C.P. Snow), os humanistas não conhecem conceitos básicos da ciência e os cientistas não tomam conhecimento das dimensões psicológicas , sociais e éticas dos problemas científicos. Essa dicotomia cultural , que traz graves consequências educacionais, ao ser reconhecida , causou e causa ainda ondas de indignação principalmente na academia. Melhor faria ela em analisar as suas causas e consequências e procurar construir pontes par a tornar transponível o que separa as duas culturas, eliminando ou alterando preconceitos mútuos, resultantes de um corporativismo acentuado e defensivo cristalizado nas instituições.»
... e sobre o tal "segundo olhar":
«Relaciona a revolução científica e a produção literária à situação política...»
Há mais para ler. Vá lá ver.

8 comentários:

  1. Eu, por vezes, acho que o sr Snow está certo mas, há exemplos que desfazem esse argumento...

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  2. Tenho dúvidas sobre a posição de Snow, conheço bem situações em que a síntese entre as duas é uma realidade.

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  3. OS UNIVERSOS DE REFERÊNCIAS
    Poderia começar por citar "De l'acte à la pensée", de Henri Wallon, mas não quero. Prefiro lembrar-me daquela aluna que,numa visita ao Museu das Janelas Verdes, me perguntava qual o preço daquelas coisas (não as da loja...).No fim explicarei a razão da escolha.
    A visão burguesa criou uma clivagem entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, com desprimor para o primeiro, o que foi aprofundado pelo taylorismo, criando uma subcultura (excepto para os que meditam sobre a limalha desperdiçada, como ponto de partida para outros voos).
    Um desencontro aconteceu-me em Libreville quando um colega me marcou um encontro: eu fui procurá-lo ao bar da Universidade, ele esperou-me debaixo da árvore grande do pátio. Foi ele que um dia me disse que os poetas descobriam mais depressa do que os cientistas...
    Que faz a escola hoje, aqui? Historicamente a crise da adolescência será sintomática da escola ou da sociedade? Há bibliografia sobre o assunto. A que espécie de especialização obriga a escola e para quem? O que significam os actuais planos de recuperação escolares e o seu êxito ou não êxito?
    Um dos principais instrumentos de socialização (leia-se alargamento dos universos de referências) são as visitas de estudo, em que a parte lúdica não pode ser esquecida, para além de outros instrumentos igualmente relevantes.
    A aluna do Museu das Janelas Verdes fui encontrá-la anos depois à experiência como operadora de caixa num hiper (o pai morrera de queda em caixa de elevador,nas obras). Perdia-a de vista.
    Os subsídios para visitas de estudo acabam de sofrer um corte nas escolas públicas e pergunto-me se esses cortes acontecerão nas privadas.
    Antigamente a segregação fazia-se entre ensino técnico e ensino liceal. Estes cortes vêm aprofundar a diferença da qualidade de ensino entre classes sociais , isto é, entre escola pública e escola privada.
    A posição de Snow é válida e as excepções só confirmam a regra. A criação de uma subcultura é o resultado. Tal como me aconteceu a mim quando não soube ver a árvore na cultura do outro.







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  4. Também as conheço JRD,
    (aliás até as refiro, num dos links)
    mas a questão coloca-se a nível do ensino...
    Se não leva a mal, cito a parte final:

    "A situação fronteiriça ou mesmo
    marginal dos que cuidam do ensino de ciências implica não só a obrigação de construir ligações de
    dupla via entre as "duas culturas", mas principalmente de
    contribuir para que grande parte
    da população tenha acesso às informações e desenvolva a capacidade para fazer a análise
    necessária e participar de decisões das quais depende o futuro de todos."

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  5. Tudo na vida se interliga.

    Bom serão.

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  6. Também li e não gostei por aí além. Mas acho que o que o VGM (de quem não gosto nem um bocadinho como pessoa e como politiqueiro) quer vincar é a necessidade de mudar a forma de se darem as aulas de Língua Portuguesa bem como o programa de forma a introduzirem-se os alunos na riqueza da língua e da literatura portuguesas. Não me parece que esteja a dar mais importância às Letras (Humanidades) do que às Ciências ou à Tecnologia. É que de há uns anos para cá os miúdos são direccionados para a informática, para a economia e gestão, para as ciências, tudo em detrimento das letras e isso provoca um desequilíbrio nas elites governativas.

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  7. 1) Permita-me citar (eu também) Fernando Pessoa, neste caso sob o seu heterónimo Álvaro de Campos:

    O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.

    O que há é pouca gente para dar por isso.

    óóóó — óóóóóóóóó — óóóóóóóóóóóóóóó

    (O vento lá fora).


    2) Dentro da cultura científica, há duas sub-culturas, que se opõe entre si de modo semelhante ao que existe entre as ciências (tomadas como um todo) e as humanidades. Essas duas sub-culturas são a da ciência pura e a da ciência aplicada. Os pertencentes à primeira consideram-se a si próprios os aristocratas da ciência, vivendo nas altas esferas intelectuais; os pertencentes à segunda consideram-se a si próprios os únicos que são verdadeiramente úteis à sociedade.

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  8. Também o comecei a ler mas não cheguei ao fim...não gosto deste senhor!

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